A ideia do Tudo pela Arte nasceu da minha vontade de me expressar, me comunicar e me realizar. E mesmo isso parecendo uma ótima ideia, ela só saiu do papel mesmo quando eu defini que queria tornar o blog uma referência para aqueles que buscam novas e melhores formas de viver a sua própria arte… quando eu visualizei um jeito de tocar o outro.
Gosto muito de escrever sobre questões humanas, afinal também estou nessa constante busca de primeiro me conhecer (acho que esse sempre é o ponto de partida), e sobre coisas práticas (quem não quer encurtar caminhos né?). Assim venho aos poucos compartilhando o que eu faço no dia a dia e que dá resultado pra mim.
Mas se a ideia é ser (ou dar) referências nessa direção, estava ainda faltando algo… Compartilhar um pouco da arte do mundo que me encanta, o que as pessoas estão fazendo por aí para se expressar e tocar o outro.
Isso é o que eu chamo de inspiração.
Uma inspiração que não só desperta emoções, mas acima de tudo desperta criatividade, abre possibilidades.
Desde que me conheço por gente vejo meu pai fazer arte. Ele se formou em arquitetura mas também escolheu empreender e fazer algo menos convencional da vida (taí uma de muitas das nossas semelhanças)… hoje ele é, há mais de 30 anos, dono de um acampamento de férias para criança.
Foi onde eu cresci, brinquei, aprendi e conheci pessoas de todos os cantos. Foi onde eu fui criada – e não só eu.
Dia desses meu pai recebeu a visita de um ex acampante, hoje um homem com mais de 30 anos, que olhou pro pai dele e disse: “Esse cara que me criou”.
É… forte e lindo. Pura arte!
Eu não precisei crescer muito para entender o valor disso, que a arte do meu pai não era apenas fazer crianças felizes, mas criar e ensinar, de um jeito muito simples, porém intenso e profundo: criando um lugar em que elas fossem elas, livres e inteiras.
Tenho o maior orgulho de ver o quanto o que ele faz é importante na vida das crianças, e consequentemente, como ele impacta vidas. (Sim, eu sou daquelas “meu pai, meu herói o/)
Só que hoje eu não vim falar só disso… resolvi falar não só de uma arte, mas da junção de várias. De como deixamos nosso legado no mundo através disso.
Já imaginou o poder que seria unir sua a arte a outras?
Pois é, eu comecei falando do meu pai porque já há 13 anos o acampamento, uma vez por ano, é parte de uma outra arte, essa cheia de junções, o Dermacamp, um projeto sem fins lucrativos que trabalha pela integração social, melhoria na qualidade de vida e superação de desafios vivenciados por crianças e adolescentes com doenças raras de pele.
Na vida acontece muito disso, o que é nossa realidade às vezes passa total despercebido pro outro…
Talvez até hoje isso tenha passado despercebido pra você… que muitas crianças não apenas sofrem por terem alguma doença de pele, mas por conta disso se deparam desde muito cedo com o desafio de criar sua própria identidade, de se reconhecer e se afirmar. Isso sem contar aquelas que literalmente lutam pra sobreviver.
Pois é, por isso toda arte é também um aprendizado, uma forma de você entrar em contato com outras realidades.
O Dermacamp foi criado e é comandado pelo dermatologista Dr. Samuel H. Mandelbaum, e pela enfermeira Dra. Maria Helena S. Mandelbaum, um casal que se uniu também na vida profissional pra fazer a diferença.
Talvez você nunca tenha se atentado pra isso, mas inconsciente você sabe que boa parte das doenças de pele estão relacionadas ao psicológico (com certeza já aconteceu com você de você passar por momentos de stress e no dia seguinte acordar com espinha, ou com uma alergia, enfim…).
Eu vejo que o grande diferencial desse projeto é justamente tocar nesse ponto e não se limitar apenas ao cuidar.
Não se trata de mais uma ação de caráter assistencialista, estamos falando de empoderamento… primeiro para que essas crianças e adolescentes fortaleçam sua autoestima e encontrem novas formas, mais fáceis e leves, de lidar com a doença; segundo para que sejam capazes de reclamar por seus direitos, não só diante da sociedade mas também da própria família.
Por isso que além desse acampamento anual, o projeto engloba também reuniões, a cada 3 meses, com as crianças, suas família e os colaboradores – monitores, enfermeiros e médicos, todos voluntários – para atividades de integração social e de estímulo ao autoconhecimento (entendeu porque eu disse que era uma junção de artes?).
A ideia dessas reuniões é auxiliar também os pais a terem mais confiança nas capacidades do seus filhos e dar espaço e suporte para que eles desenvolvam mais autonomia. E consequentemente, mais poder.
Elas estão acostumadas a ouvir sempre ‘não’ e serem poupadas de tudo. ‘Não’ da sociedade, que na maior parte do tempo o fala por ignorância. ‘Não’ dos pais, que às vezes por falta de conhecimento e naturalmente por excesso de zelo (inerente a essa condição), acabam super protegendo essas crianças e esquecem que, além de sobreviver, elas precisam viver.
Eu já escrevi aqui sobre o amor, sobre as pessoas lidarem com ele mais na base do cuidado do que do crescimento. E com essas crianças esse tema merece especial atenção para que proteção demais não leve a limitação delas.
Se conquistar poder e liberdade é um desafio que necessariamente todos nós enfrentamos em algum momento, imagina uma criança que entra na piscina pela primeira vez com 12 anos? Que no dia a dia não pode correr e brincar como as outras? Imagina crescer achando que você é diferente de todo mundo?
E aqui vale uma reflexão… não basta entrarmos em contato com uma realidade se não usarmos isso de alguma forma.
Recentemente eu fiz uma queimadura de segundo grau na mão. e tive que aprender a tomar banho e fazer algumas outras coisas com uma mãe só. Foi assim por umas duas semanas.
Ouvi alguns “ai, coitada”, “nossa, deve ter doído”. Claro que não é legal isso e que dói, mas logo no primeiro dia, quando fui tomar banho tendo que usar só a mão esquerda (eu sou destra) e pensei em reclamar, automaticamente eu pensei nessas crianças e no que elas enfrentam diariamente, sem nem poder esperar o dia que vai passar.
Senti vergonha por ter chegado a pensar em reclamar, e o que ficou foi o sentimento de como eu poderia estar fazendo mais, do quanto de coisa eu deixo passar… no sentido de reclamar por não ter algo me lembrando que isso é pequeno demais.
Faz você também essa reflexão, será que você não está reclamando de coisas que no fundo são muito pequenas? Como você reage quando se depara com uma situação desconfortável? Encara ou, mesmo sabendo que vai passar, sofre, reclama, se vitimiza?
Pensa sobre isso. E em como poderia aproveitar essa energia que usa pra reclamar de algo para fazer muito mais, fazer coisas grandes.
Esse final de semana o Dermacamp estava rolando no acampamento, e eu tive a oportunidade não só de ver e aprender mais com essa arte, mas também de conversar um pouco com alguns dos artistas que fazem parte disso.
Uma monitora me contou que por mais que eles fizessem os encontros anuais regulares, “é nítido como é aqui, em 4 dias, que a mágica acontece”.
É e não tinha como ser diferente, pois é exatamente esse o ponto mais especial do Dermacamp.
Ao mesmo tempo em que eles levam conhecimento pros pais e pras crianças, e mostram todos seus direitos e possibilidades de integração social, eles proporcionam experiências únicas pra essas crianças, que muda pra sempre a vida delas.
Todas as atividades são especialmente planejadas para promover a integração social das crianças, incentivar a convivência com a diversidade e o autoconhecimento delas. É uma oportunidade delas aprenderem de forma lúdica tudo que depois vão usar na vida, em situações nada lúdicas.
Esse espaço de convivência e identificação é uma forma muito eficiente de mostrar que elas são capazes de tudo e que a doença de pele não é (e nem pode ser) um empecilho. Isso por si só já é incrível, mas o mais mágico mesmo é elas descobrirem que existem muitas pessoas iguais a elas. Que ao contrário do que elas sentem no dia a dia, elas não são diferentes de todo mundo e nem estão sozinhas.
Quando você encontra pessoas que sentem o que você sente, é uma empatia imediata. Assim como é para todos nós, aquela sensação boa de “agora eu encontrei minha turma”. E assim é em tudo na vida… quando a gente se sente bem, as coisas fluem; quando tem coisas fora do lugar, a gente trava.
E essa junção de arte que acontece no acampamento potencializa tudo isso porque as crianças não só se sentem finalmente a vontade, acolhidas, pertencentes… mas também livres.
Para muitas essa é a primeira experiência longe dos pais. Pais que nesse cenário, muitas vezes por excesso de amor representam a restrição, que a cada “isso não dá” ou “isso não pode” despertam na criança um falso sentimento de incapacidade.
Para muitas é a primeira experiência longe de uma sociedade que não as compreende.
Para muitas é a primeira vez que provam a liberdade.
Foi dessa percepção que nasceu a ideia do Dermacamp… ao perceberem que na clínica os pacientes evoluíam até um certo ponto, mas que depois algo barrava a evolução delas. E esse algo não eram suas doenças de pele, mas a falta de integração social e de poder sobre si mesmas.
Conversando com o Marcio, ex acampante do Dermacamp e que hoje é monitor, ele me falou “Vai até parecer exagero, mas não é… o Dermacamp moldou quem eu sou hoje”.
Não, não me parece nenhum exagero.
Eu já sabia pelo Dr. Samuel da diferença que eles sentiram quando começou esse ciclo de ex acampantes se tornarem monitores. Antes disso eles contavam com colaboradores que tinham alguma relação com a área da saúde, mas a história muda muito quando você começa a aprender algo com alguém que já viveu isso, que já passou pelo que você passa hoje ou ainda vai passar.
Eu não só vejo isso no brilho dos olhos desses voluntários, como ouvi deles o prazer e amor que sentem em passar pra frente aquilo que tocou a vida deles. O próprio Marcio me disse “Aqui deve ter umas 40 crianças, se eu conseguir influenciar a vida de uma, da forma como o Dermacamp influenciou a minha, eu já estou muito feliz”.
É por isso que eu digo que isso é de fato arte. E muita!
“Eu luto pela arte, por chegar na minha arte. Não luto para ver a platéia comemorar ou vaiar, luto parque as pessoas possam sentir algo”. – Ronda Rousey
Queria ter o poder de te teletransportar pra lá por uns minutos, só pra você sentir um pouco o que estou dizendo. Ver e sentir arte.
Porque vai muito além de uma atuação médica padrão. Não se trata apenas de curar, mas sim de mudar vidas. De fazer história criando outras.
E pra mim esse é o sinal… você percebe que está fazendo arte quando o que faz deixa de ser só seu e passa a ser também do outro. Quando deixa de ser uma simples expressão e realização própria e consegue atingir o outro, tocá-lo e gerar resultados pra ele. Quando os resultados no curto prazo (o dinheiro, o prestígio e por aí vai) deixam de importar, e o foco passa a ser o que fica, o legado.
Ninguém que participa desse projeto precisaria fazer isso, nem colaboradores, nem organizadores. Mas ao mesmo todos precisam, porque a preocupação de cada um é em gritar sua arte pro mundo e tocar o máximo de pessoas possível.
Isso não significa que o dinheiro não importa e que todos devíamos virar missionários. De jeito nenhum, não é nisso que acredito.
E nem que devíamos abdicar de nós mesmos e viver pelo outro. Não também!
Veja bem, estamos falando de empoderamento, isso é justamente o oposto da abdicação. É voltar-se pra si, capacitar-se independentemente.
O que eu acredito é que o mundo pode ser muito melhor se ressignificarmos os fins e os meios pelos quais fazemos as coisas. Se fossemos ensinados desde crianças a querer masterizar nossa arte, não por uma simples questão de ego ou como meio para satisfazer desejos e aspirações, mas pra poder fazer a diferença com ela.
Se vivessemos menos comprometidos com coisas frívolas e passageiras, e mais comprometidos com o legado que vamos deixar no mundo.
Esses dia um leitor me escreveu perguntando como eu descobri a minha arte. De forma genérica eu diria que você simplesmente sente…
Muitas vão ser as coisas que você vai escolher fazer por prazer, por hobby. Mas quando encontrar aquela coisa que você não só faz, mas quer dar seu máximo nela, quer expandir e fazer chegar até o máximo de pessoas… é porque você encontrou sua arte.
E não importa o que seja. Não importa quão grande ou pequena você julgue que ela é, pode ter certeza que ela vai fazer a diferença na vida de muitas pessoas.
Quando você percebe isso começa a enxergar como uma obrigação masterizar e potencializar sua arte. Começa a pensar em como pode uni-la a muitas outras pra deixar um legado.
Pra mim, conhecer histórias como a do Dermacamp e ver o que as pessoas estão fazendo por aí é muito inspirador. Gosto de tentar fazer parte disso falando a respeito, passando adiante o que me inspira.
Hoje vim compartilhar inspiração e queria saber se você a captou!
E mais, adoraria que você também compartilhasse aqui nos comentários o que inspira. Ou como você inspira! O que fizer mais sentido pra você 🙂